Crenças Sobrenaturais Saloias | Superstições e Crendices

Crenças Sobrenaturais Saloias

O espaço demográfico do Termo dos Saloios – mormente os Concelhos de Odivelas e Loures, como igualmente os de Sintra e Mafra – é prenhe de lendas e tradições que, quando descodificadas, não raro apresentam base mágica de natureza quase inevitavelmente evocatória e sempre com fundo moral, mesmo havendo outras de cariz exclusivamente recreativo mas cuja narração é constantemente envolta num halo sobrenatural e que, igualmente, não raro se remata numa lição moral.

Dessas últimas lembro a lenda do Senhor da Ribeira de Frielas, que já descrevi num livro meu editado pela Câmara de Loures (Ode a Loures – Monografia Histórica, 1993) e ainda num outro também meu editado pelo Rancho Folclórico e Etnográfico “Os Frieleiros” (Frielas – Memorial Histórico, 1996), além dessas outras narrativas orais sobre grutas mágicas e santões misteriosos, como essa da pressuposta gruta do Conventinho da Mealhada (Loures) ligando ao Mosteiro de Odivelas, ou então da igreja matriz de Frielas comunicando subterraneamente com a ermida desfeita da Senhora do Monte da Ramada.

Todos dizem que é verdade, sim senhor, porque “fulano ouviu de sicrano que já lá foi”, remetendo-se sempre para o passado e para outro, assim pouco importando que realmente a improbabilidade subsista.

Não sendo eu, por natureza e brio profissional, um teórico ficando-me por respigos bibliográficos de outréns, senti necessidade de deslocar-me ao terreno onde se deram esses “factos miraculosos” que as lendas contam para tentar comprovar se, acaso, haveria “algum fogo no meio de tanto fumo”…

Lenda do Senhor da Ribeira

Respeitante à lenda do Senhor da Ribeira, ainda hoje ela está atestada num pequeno silhar de azulejos coloridos e legendado (“Senhor da Ribeira”), junto ao Casal do Monte, no cimo da Póvoa de Santo Adrião (Odivelas), estando desaparecida a fonte de “água santa” que o mesmo silhar decorava.

Ao lado, havia um aparelho de azenha medieval que cheguei a observar, mas hoje estando plantado por sobre o seu lugar um prédio.

Outra situação, aquela das grutas da Idade do Cobre na Quinta das Gaitadas, cujas casas apresentam vestígios manuelinos.

A Quinta está no sopé da Serra de Montemor (Loures), dizendo-se que as grutas prolongam-se por toda a Serra e sob a Cidade Nova – Santo António dos Cavaleiros.

Isso não pude comprovar, mesmo que tenha adentrado uma dessas cavidades e avançado, cerca de um quilómetro e meio, com água pela cintura até esbarrar numa obstrução natural. De maneira que não posso afirmar a verdade ou a mentira da lenda…

Jazida paleolítica do Vale do Tejo

Mas posso afirmar que o Casal do Monte é a maior jazida paleolítica do Vale do Tejo (até agora poupada à inclemência da construção civil graças ao bom senso da edilidade, cujo presidente da Junta de Freguesia de Santo António dos Cavaleiros aconselhou-se pessoalmente comigo nesse sentido, o de preservação desse espaço patrimonial).

Foi habitada por povos colectores e inclusive havia aí até há pouco restos circulares do que pareciam templos dedicados a algum tipo de culto astrolático, como seja, à Lua (nas grutas das Gaitadas) e ao Sol, deste os seus restos ficaram sob o centro comercial que se construiu no cimo da Cidade Nova, junto às Torres da Bela Vista e vizinho da estrada de Montemor.

Para terminar, dou um terceiro exemplo na lenda atlante de Bucelas a qual acabou levando-me à anta celtibera do Zambujal, onde realmente confirmei que “não há fumo sem fogo”…

Lenda dos Ferreiros

Essa lenda bucelense, pouquíssimo conhecida, consta da Lenda dos Ferreiros e assim se passou em tempos esquecidos na memória dos homens (in Almanaque do Concelho de Loures para 1912, dirigido por João Raymundo Alves. Lisboa, Instituto Geral das Artes Graphicas, Rua das Pretas, 17, 1911):

Nas proximidades de Bucelas há dois montes bastante elevados e de forma mais ou menos cónica. É crença popular que dois ferreiros, dizem que irmãos, foram estabelecer as suas forjas cada um em seu monte, mas que possuindo ambos um só malho, dele se serviam alternadamente.

Os montes, na sua parte superior, distam uns dois quilómetros um do outro, e quando o Melo (assim se chamava um dos ferreiros) precisava do malho, chegava à porta da forja e gritava pelo Jerumelo (assim se chamava o outro), para este lho atirar. Isso repetia-se todas as vezes que trabalhavam.

Os dois ferreiros eram gigantes, porque só assim podiam ter força para arremessar o malho a tão grande distância.

Uma vez zangou-se o Jerumelo com o companheiro, e atirou-lhe o malho com tanta violência que, desencravando-se este no ar, foi cair o ferro na encosta do monte Melo, e logo daí brotou uma fonte de água férrea, e o cabo, que era de madeira de zambujo, foi espetar-se na terra a mais de dois quilómetros de distância, reproduzindo-se um zambujo, que deu o nome a uma povoação que fica a quatro quilómetros dos referidos montes, e a que por isso se chama Zambujal.

Deixando de lado a interpretação ctónica remetendo para o deus Vulcano dessa lenda, passo de seguida às lendas de foro mágico, as quais têm diversas origens quase sempre misturadas inextrincavelmente: célticas, judaicas e arábicas.

O culto dos elementos da natureza

O factor celta para o culto dos elementos da Natureza; o judaico para a magia talismânica revestida do cunho agrícola; e o arábico para a espargiria ervanária, natural, revelando-se como base da medicina popular, campesina, através dos unguentos, defumações, rezas, benzeduras, etc.

Mas esses ingredientes celtas, judaicos e árabes, de uma forma ou de outra, por norma entram todos juntos no imobiliário das lendas saloias, susceptível de explicar a Vida e a Morte num contexto marginal ao crédito científico e à religião por todos aceite mas “à maneira de cada um”, assim o plural presente sujeito ao singular assente.

Imobiliário esse até há pouco tempo atrás sustentado pelos velhos da terra e pelas «pessoas com virtudes», com dotes sobrenaturais capazes de falar com os «espíritos», fazer quebrantos e enguiços, enfim, as bruxas d’aldeia. Elas eram o pilar-mor da religião popular, mais animista que espiritual, reunindo num mesmo efeito causas divinas e diabólicas.

Em Loures, como em todo o território saloio, o que o padre-cura não resolvia consertava a bruxa ou a curandêra. Maria Rosa Lila Dias Costa (in Murteira – Uma Povoação do Concelho de Loures. Junta Distrital de Lisboa, 1961, com reedição em Dezembro de 1993), conta que na Murtêra não era estranho nem misterioso as pessoas, mais mulheres que homens, consultarem pessoalmente a feitecêra.

Contudo, os saloios fazem distinção entre bruxa, a mulher que faz males ou bruxedos, e curandeira, que por meio de benzeduras vê e cura o mal que as bruxas fizeram.